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André
Luís Balsante Caram é arquiteto formado pela
FAUUSP
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"Defender o nosso
patrimônio cultural não é tão somente, como
acreditávamos ainda há pouco, resguardar, das intempéries
e do esquecimento, monumentos de um passado mais longínquo."
João
Batista Vilanova Artigas

A preservação
do patrimônio histórico de uma nação não
se limita apenas a a conservação e restauração
de objetos arquitetônicos como bem apresentou Artigas. Na verdade,
o significado de patrimônio histórico envolve também
a preservação de elementos referentes às técnicas
e ao saber fazer; os elementos pertencentes à natureza e ao meio
ambiente e por fim os "bens culturais", entendido aqui como
toda a sorte de artefatos encontrados e produzidos pelo conhecimento
humano1. É assim que, num olhar atento sobre
as riquezas naturais da cidade de São Paulo e no que ela oferece
acerca de sua arquitetura histórica e meio ambiente, o nosso
horizonte recai sobre a vila de Paranapiacaba.
Apresentado um cenário peculiar cercado pela exuberante mata
nativa da Serra do Mar, a arquitetura presente nesta vila é um
elemento chave que a torna um grandioso centro histórico-turístico.
Tanto para turistas quanto para pesquisadores, estudantes e colegiais
- que se interessam não só pela natureza, mas também
pelo clima peculiar da região e principalmente pelos assuntos
que deram origem a formação da vila: história da
técnica, ferrovia e arquitetura a vila de Paranapiacaba
atende à ambas expectivas: lazer e conhecimento.

A sua história inicia-se
com a ferrovia que lá se implantou, seguindo um traçado
similar ao dos povoados-estações da Europa e da Nova Inglaterra.
Á princípio denominou-se "Alto da Serra", mas
em 1907, recebeu a atual designação de Paranapiacaba.
Mas foi em três períodos distintos que a conformação
da vila tomou o caráter original que nós vemos hoje: na
década de 1860, quando se deu a implantação do
primeiro sistema funicular; no começo do atual século
com a ampliação deste sistema através da construção
de um segundo sistema funicular e uma terceira etapa quando foi implantado
o sistema cremalheira-aderência sobre o traçado do primeiro
sistema funicular, destruindo assim parte da história da vila.
A vila foi um ponto chave para implantação da ferrovia
Santos-Jundiaí que levaria a produção cafeeira
até o Porto de Santos
Ainda assim, se olharmos para Paranapiacaba, veremos não só
uma vila construída com influências britânicas, mas
também a semelhança de um microclima que nada deixa a
desejar do clima da cidade londrina, reforçando mais ainda a
idéia de que Paranapiacaba é uma pequena vila transladada
direto da Inglaterra, com direito até mesmo a névoa.

Encravada na Mata Atlântica,
a vila de Paranapiacaba é famosa pela sua neblina, que na maior
parte do ano proporciona um cenário esplendoroso aos moradores
e principalmente aos turistas que buscam nesta vila um refúgio
das angústias causadas pelos grandes centros urbanos.
A neblina, que geralmente cobre a região, confere à cidade
de Paranapiacaba um "ar" tipicamente inglês, tanto quanto
o seu relógio construído em meio à ferrovia, sob
inspiração do "Big Ben" de Londres.
O vilarejo apresenta uma estrutura urbana e arquitetônica singular
em seu conjunto. Até mesmo seu clima parece ser exclusividade
daquela área; assim lembra o ambientalista AbSaber que
recorre ao poeta modernista Mário de Andrade para encaixar a
paisagem serrana atlântica num clima tipicamente britânico:
"Mário de Andrade dizia que São Paulo era uma "Londres
de neblinas finas". A primeira vez que passei por Paranapiacaba,
esta frase me pareceu mais ajustada à estação e
à vila operária e ferroviária. A Londres dos nevoeiros,
em São Paulo, certamente é a vila de Paranapiacaba".
(Revista Mares do Sul, n. 19).

Inserida dentro do município
de Santo André e distrito do mesmo, a vila tem, atualmente, seu
uso voltado ao lazer, às atividades de pesquisa, educação
e entretenimento (museu ferroviário) e o eco-turismo, que é
praticado nas várias trilhas que cortam a Serra do Mar, ou seja,
principal foco de interesse dos turistas que vão à vila
de Paranapiacaba. Essa peculiar característica de uso torna a
vila uma espécie de "porta de entrada" a esse grandioso
espaço proporcionado pelas riquezas naturais da Serra. Mas que
devido à falta de consciência de seus usuários,
tanto a vila quanto a Serra encontram-se em estados lastimáveis
para atender ao uso a que se destinam. Tanto o patrimônio histórico
arquitetura, ferrovia e tecnologia quanto o meio ambiente
necessitam de meios para conter o avanço progressivo do processo
de degradação.
A vila de Paranapiacaba é exemplar único de uma cidade
construída aos moldes da arquitetura inglesa, e revolucionária
do ponto de vista da adoção de uma tecnologia avançada
para implantação dos sistemas funiculares na Serra do
Mar. Por este motivo e no sentido de estabelecer um diálogo entre
degradação e preservação, a vila e seu entorno,
os antigos sistemas funiculares e a Reserva Biológica (localizada
na Parte Alta da vila) foram tombados pelo CONDEPHAAT, em 1987.
No entanto, mesmo sendo elevada à patrimônio cultural e
arquitetônico da humanidade, não foi possível evitar
que a vila se deteriorasse ao longo do tempo, seja pelas ações
humanas ou da natureza, seja pela falta de recursos e investimentos
para manter o conjunto em bom estado de conservação; e
agora em caráter iminente necessita de medidas que impeçam
a ação das intempéries e dos agentes sociais, através
de diretrizes que visem a recuperação de áreas
degradadas da vila e do seu entorno, juntamente com a valorização
dos potenciais turísticos já salientados pela área.
O compromisso da sociedade em relação ao espaço
em que vive e dos órgãos envolvidos em sua defesa se faz
necessário num momento como este, sendo portanto um primeiro
passo imprescindível para reverter esse processo de deterioração.
Além do treinamento cívico da população
em relação ao meio em que vive e a ação
efetiva dos órgãos protetores, a vila de Paranapiacaba
clama por intervenções no seu espaço urbano, que
valorize tanto o conjunto arquitetônico formado pelas antigas
casas da vila e pelas edificações onde funcionava a ferrovia,
quanto o meio ambiente (Serra do Mar) enfatizando assim o seu uso voltado
ao eco-turismo.
É assim que, vendo a atual situação da vila, procurou-se
estabelecer algumas medidas que norteassem o seu processo de revitalização
e fossem de encontro as suas necessidades já preeminente, sejam
elas de caráter sócio-econômicas (geração
de recursos para dinamizar a vila) ou culturais (formas de valorização
do espaço arquitetônico e ambiental da área).
As questões envolventes no processo de revitalização
da vila de Paranapiacaba são muitos complexas, pois envolvem
um comprometimento sério tanto da população residente
quanto dos órgãos responsáveis pela sua gestão.
Apesar de encontrar-se num estágio de degradação
contínua, tem-se a certeza que a vila e seu entorno são
um centro de referência histórico-turístico e cultural
para os moradores da vila e dos municípios vizinhos, mas devido
aos condicionantes históricos de sua formação e
ocupação, Paranapiacaba atinge uma abrangência de
caráter metropolitano, e que portanto merece atenção
e intervenções urgentes em seu quadro cultural, físico
e sócio-econômico.

Sendo assim, é necessário
nortear o processo de revitalização da vila com algumas
diretrizes básicas que envolvam tanto as questões econômicas
quanto culturais e criar meios para reverter o atual estágio
de degradação da vila, através da:
- Revitalização de áreas e edificações
que influem na política econômica de sustentação
da vila (reforma do castelinho, Lira-Serrano, revitalização
do Largo dos Padeiros - ponto de chegada de turistas- reabertura do
mercado local);
- Reforçar a tese (que assume a vila e seu entorno) de centro
de referência turístico e cultural para a Grande São
Paulo e "porta de entrada" da Serra do Mar, preservando, revitalizando
e/ou restaurando o patrimônio histórico e ambiental, principalmente
tratando-se das áreas próximas as nascentes do rio Quilombo
e do rio Grande (proteção aos mananciais);
- Resgatar a memória histórica da implantação
e uso da ferrovia (funiculares) na Serra do Mar e também valorizar
o conjunto do seu patrimônio arquitetônico, revelado em
cada edificação construída pelos ingleses no final
do século XIX
- Valorizar o potencial turístico da vila e da Serra do Mar,
provendo a vila de Paranapiacaba e as várias trilhas com infra-estrutura
suficiente para amparar grande fluxo de turistas nos finais de semana
(instalação de latões de lixo, banheiros públicos
e postos de serviços de informações e orientações);
- Criação de um centro de referência de preservação
histórica e ambiental (posto de reunião e discussão
para os vários grupos presevacionistas da região), que
estimulem nos turistas e usuários a prática da preservação
da vila e do seu entorno através da pesquisa, orientação
e cursos sobre patrimônio histórico e ambiental.
Mas essas diretrizes só têm sentido se houver a participação
efetiva dos órgãos e instituições governamentais,
centros educacionais, sociedade civil e iniciativa privada, que investissem
e tomassem consciência da importância do meio ambiente,
cultural e histórica da vila de Paranapiacaba; como também
se assegurasse a permanência de seus moradores na vila, para que
estes participem de sua manutenção e revitalização.
Apesar de traçados esses caminhos que visam o resgate histórico-cultural
e ambiental da vila de Paranapiacaba, tem-se em mente que preservar
uma vila histórica não quer dizer renovar o antigo, mas
implica necessariamente em revitalizar e dar novo uso ao objeto em estudo
e propor novos espaços antes inexistentes no desenho inicial.
Em relação ao modo de gerenciamento do processo de revitalização
deve ser levado em conta o fato de que "(...) preservação
é simplesmente impedir que o destino do patrimônio comum
seja ele estruturas urbanas, artefatos, meio ambiente físico
seja decidido apenas por uma minoria e manuseado em proveito
próprio." (La REGINA, Adriano. "Preservação
e revitalizaçào do patrimônio cultural da Itália".
São Paulo, FAUUSP, 1982)
Contudo, o mote de toda a problemática da vila de Paranapiacaba
é, principalmente, encará-la como porta de entrada para
a Serra do Mar, e como centro histórico-tecnológico-cultural
da memória da implantação ferroviária; que
devido ao caráter regional de sua inserção atinge
respectivamente dimensões significativas para a cultura brasileira,
tanto a história da vila quanto à presença dos
ingleses no Brasil; competindo assim para fazer da vila um interessante
pólo turístico de lazer, recreação e cultura.
As propostas apresentadas (apesar de serem básicas em sua estrutura)
visam, portanto, desenvolver as potencialidades turísticas da
vila e da Serra do Mar, enfatizando a importância regional da
vila em relação à cidade de São Paulo e
principalmente o fato de ser a "porta" de acesso para as riquezas
da Serra do Mar. Espera-se assim contribuir, mesmo de forma modesta,
para conscientizar e fomentar, naqueles interessados no assunto, a discussão
e debate sobre os problemas de revitalização e preservação
da vila de Paranapiacaba.

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