Marcelo Ferraz |
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Marcelo Ferraz é arquiteto e presidente do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi. Fotos extraídas do livro "Arquitetura Rural na Serra da Mantiqueira", de Marcelo Ferraz. Colaborou na entrevista o arquiteto Maurício Imenes |
Gostaríamos que você nos falasse sobre o projeto de restauração do cento histórico de Salvador, visto que não se trata apenas de um trabalho de embelezamento arquitetônico, mas de cunho social e econômico. O ideário desse projeto
é pouco conhecido. O que a gente conhece está publicado
num livro, só algumas formas resultantes de um projeto de arquitetura,
ou seja a construção, restauração, um texto
simples introdutório. Isso porque quando a gente estava trabalhando
lá o objetivo não era estar divulgando as idéias
e sim realizando um trabalho. Quando a Lina [Bo Bardi] foi chamada para
equacionar a questão do centro histórico pelo prefeito
de Salvador, o Lelé [João Filgueiras Lima] cuidava de
toda a área de baixa renda de Salvador, encostas, lixo, transporte
urbano, de modo que haviam dois pólos de atuação.
A idéia foi fazer alguns projetos pontuais, que seriam todos
eles projetos pilotos de atuação no centro histórico.
A Casa do Benin, por exemplo, era uma das várias casas de representação
de países ligados culturalmente à Bahia. Então
viria a Casa de Angola, que agora está sendo feita, a Casa de
Cuba, a Casa de Portugal, essa era uma maneira de ocupação
de vários imóveis do centro histórico, que fazia
parte do programa de uso, embaixadas culturais no centro histórico.
A Casa do Olodum era um outro ponto forte de grupos organizados dentro
do Pelourinho que podia participar de um programa de educação,
sociabilização, ajuda comunitária e isso acontece
com o Olodum hoje, eles têm várias casas, escola de música.
A Ladeira da Misericórdia era o ponto principal, onde entrava
a técnica de restauração. Tem uma frase da Lina, "não vamos mexer em nada, mas vamos mexer em tudo". Nós queríamos
que aquela vida continuasse, aquela gente continuasse lá, em
melhores condições, podendo desenvolver seu pequeno comércio,
até pagando impostos, ou seja, sedimentando os pequenos comerciantes,
isso sempre ligado a habitação. É lógico
que algum êxodo iria haver, você restaurava algumas casas,
mudava as famílias vizinhas para aquelas casas, era um processo
de ir pulando de casa para casa. E para fazer uma restauração
dessa escala, de três mil imóveis, fazia sentido pensar
em um sistema de pré-moldados. Mais ainda, um sistema de pré-fabricação
fazia sentido porque se deveria evitar obras pesadas dentro daquelas
ladeiras e pequenos becos, entrar com um caminhão betoneira é
sempre complicado. Era uma idéia de se ter uma obra limpa, em
que dois homens podiam carregar a peça mais pesada de pré-moldado,
nada ia pesar mais de oitenta quilos. Ali tinha o exemplo de uma casa
com telhado, com um resto de assoalho, uma casa sem telhado, um terreno
baldio, que tinha só uma ruína do século dezoito
e um terreno baldio sem nada. Eram cinco imóveis, a gente tinha
a situação em que se pegava o resto do telhado de uma
casa, complementava as telhas e recuperava um telhado antigo. Na casa
seguinte em que o telhado praticamente não existia, então
a gente o derrubava e não refazia o telhado, havia a idéia
de não estar falseando nada. Restaurar a fachada tudo bem porque
a técnica que se usava a duzentos anos atrás ou cem anos
é a mesma de hoje, a massa, a pintura a cal, a porta de madeira,
a janela de madeira com o vidro. A construção ainda está
nesse estágio e nós podemos lançar mão dessas
técnicas para restaurar as fachadas. Poderíamos refazer
os telhados, mas a gente queria também introduzir elementos novos,
então fizemos os terraços que seriam as áreas coletivas
para as lavanderias, jardins, que é uma das premissas do movimento
moderno. Cada casarão daqueles seria dividido em três,
quatro famílias, que usariam o térreo para o comércio,
enfim tinha todo um programa sócio-econômico, que a Lina
chamava de Plano Direcional, para atuação no centro histórico
com o mínimo de expulsão de população. Mudando de contexto, para
o de uma cidade industrial, como foi a restauração do
Teatro Polytheama? Jundiaí é uma cidade riquíssima, uma cidade industrial, uma cidade com quinhentas industrias, terceira cidade em qualidade de vida no Brasil. Apesar disso o teatro foi recuperado com pouco dinheiro, quatro milhões de reais para um teatro com mil e duzentos lugares, que estava ruindo. No Polytheama mantivemos a postura de conservar somente o que é importante historicamente. Existem grupos preservacionistas que querem conservar tudo, isso é um risco. O Polytheama foi um teatro de mil e setecentos lugares, a gente acabou adotando mil e duzentos lugares para torná-lo mais confortável, moderno, de múltiplo uso, de acordo com as necessidades atuais e não tratá-lo como um bibelô. Modificações foram feitas na boca de cena, que tinha apenas sete metros, incompatível hoje com um teatro dessas proporções. A fachada teve de ser refeita, mas sem copiar sua feição original, o que seria falsear, ao mesmo tempo que as paredes laterais originais foram mantidas. Enfim, quem entrar no teatro sabe o que é velho e o que é novo, da restauração. E o livro Arquitetura Rural
na Serra da Mantiqueira, também pode ser considerado um trabalho
de Eu tinha a idéia de
fazer uma documentação sistemática, de ir para
universidade, montar um grupo, fazer uma pesquisa. Mas não havia
tempo, as pessoas olhavam as fotos e diziam que o livro estava pronto.
Acabei fazendo um livro que não pretende abranger toda a região,
esgotar um assunto. É uma visão impressionista, pessoal,
uma leitura que poderia ser outra, mas no final o livro acabou tocando
muito mais gente do que se fosse um trabalho universitário, talvez,
confinado numa biblioteca universitária. Mas eu achava que esse
livro seria, de certo modo, estimulante para os estudantes que poderiam
Em relação a reforma de projetos modernos, como fica o caso do MASP? O MASP é um museu muito
importante, uma concepção totalmente nova de museu, ele
é anterior a Nova Galeria Nacional do Mies em Berlim ou ao Whitney
Museum, em Nova Iorque do Breuer.
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