EESG Conselheiro
Crispiniano Texto:André Caram e Maurício Uieda |
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Ensino, arquitetura e educação No atual estágio em que o ensino e as escolas estaduais se encontram, pode-se dizer que a tarefa de formar cidadãos conscientes, com capacidade de refletir sobre suas próprias condições e o meio em que vivem, é uma tarefa dura e penosa para os educadores desse país. Alunos desestimulados a aprender, escolas padecendo por falta de manutenção, equipamentos, funcionários e principalmente sofrendo com o completo descaso dos governos federais e estaduais para os assuntos da educação; os professores encarnam a difícil tarefa de ensinar àqueles cuja tenra idade os coloca em desvantagem na hérculea batalha que travam diariamente junto com pais e professores, contra o analfabetismo e a exclusão social. A situação se agrava mais ainda se nos remetermos a lugares mais distantes, fora dos grandes centros urbanos, onde a única possibilidade de existência se resume a sobrevivência e a reprodução. Vendo tais discrepâncias, o arquiteto ao projetar uma escola deve ter consciência ética na solução proposta. Ético no sentido de que o projeto é da e para a comunidade, e que vaidades pessoais não são aqui cabíveis. A escola deve desempenhar o papel de estimulador e formador da capacidade do indivíduo em viver em comunidade e em relação com o ambiente a sua volta. É nela que passará grande parte de sua infância; onde suas primeiras e definitivas experiências de amizade, respeito e cidadania serão vivenciadas e aprendidas Mas poucos projetos de escolas honram estes preceitos. Muitos acabam não saindo do papel, outros mal projetados e construídos, e assim os edifícios escolares e o ensino caminham rumo ao descaso, devido em parte ao total desinteresse da sociedade e de seus governantantes. No outro extremo, entretanto, há projetos que merecem digna menção pela solução brilhante com que foram resolvidos seus espaços e pela discussão sobre o significado de uma escola para o desenvolvimento da sociedade. Um desses projetos refere-se a EESG Conselheiro Crispiniano que possui uma história ímpar dentre as demais escolas públicas. Desde sua fundação, em 1961, sempre foi reconhecida como a melhor escola da cidade de Guarulhos, com seu ensino esmerado e suas dependência inovadoras, projetadas pelo arquiteto Vilanova Artigas. Os projetos de Vilanova Artigas desse período refletem claramente a crise e situação política do seu tempo. Para Artigas "não pode haver separação entre a arte, a sociedade e a ação individual, que sempre deve refletir uma tomada de posição filosófica traduzida em termos utilitários no plano prático" 1. Neste projeto, Artigas apresenta não só uma solução revolucionária dos seus espaços como também rompe com um passado tradicional de se pensar esse tipo de arquitetura. Apresentando uma clareza estrutural através pilares que parecem desafiar a lei da gravidade, que apenas tocam o solo com uma leveza singular, o projeto se destaca também pelo jardim que se estende até seu pátio central2 que estrutura todo o projeto, edifica o espaço e socializa os estudantes na hora do intervalo e que foi muito bem coroado com um mural de Mário Gruberg, desenhado com linhas despretensiosas e pintado com cores fortes que tornam o ambiente alegre e descontraído. O projeto procura trazer a cidade para dentro da escola e vice-versa, ampliando o papel da educação e da escola dentro da comunidade; ou seja uma arquitetura de cunho altamente social que não pretende resolver os problemas da educação do país e muito menos da sociedade mas fazer com que essa mesma sociedade reflita sobre si própria e se torne mais democrática e consciente de seus próprios males. Entretanto com as transformações ocorridas, nas últimas décadas, sobre as diretrizes do ensino público, o Conselheiro não conseguiu sustentar a qualidade de ensino que tanto o destacava. O carinho e respeito com que professores e antigos alunos, hoje pais, consideram a escola Conselheiro Crispiniano, não só pelo seu ensino exemplar mas também pela qualidade do edifício desenhado por Vilanova Artigas, aparecem como um alento frente a atual situação do ensino do país. Mas apesar de sua arquitetura atender cuidadosamente as necessidades de um estabelecimento escolar daquela época, teve que sofrer, no começo da década de 1990 uma reforma de ampliação de seu espaço físico para atender ao crescente número de vagas que atualmente totaliza uma população discente de mais de 3.000 alunos. A solução ocorreu através da criação de um novo edifício desenvolvido pelo arquiteto Abrahão Sanovicz, que restaurou o mural de Mário Gruberg no prédio do Artigas e criou novas salas de aula e um refeitório para alunos em um novo prédio implantado perpendicular ao edifício existente. Tudo realizado com baixíssimos orçamentos e prazos exíguos. Isto significa pouca ou nenhuma condição efetiva de melhoria ou atualização das dependências do Conselheiro. Porém a que tudo isso se preza? Não desmerecendo a valiosa tentativa de restauro feita pelo nosso saudoso mestre Abraão Sanovicz; mas qualquer intervenção desta natureza estará fadada a ter vida muita curta. Sem a mudança no papel da escola na formação dos cidadãos e na relações sociais que acontecem num ambiente escolar, pouco se pode fazer além da pintura das paredes. |
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1 BRUAND, Ives.
"Arquitetura Contemporânea no Brasil". Editora Perspectiva S.A,
São Paulo: 1991
2 Solução também aplicada no Colégio de Itanhaém. Ambos os projetos são da mesma época. |
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