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Favelas:
Alguns exemplos de como tentar resolver |
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Cid Blanco Junior é estudante de graduação da FAU-USP, pesquisa políticas habitacionais desde 1994, é integrante do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos/FAU-USP, e é um dos coordenadores do Programa Favela Limpa da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação da Prefeitura de Santo André, também membro da Unidade de Gestão junto a Comunidade Européia no Programa Integrado da Prefeitura de Santo André. |
A crise habitacional dos dias de hoje e o crescimento constante das favelas nas cidades brasileiras traz à tona uma questão: como resolver o problema de nossas favelas? Políticas referentes à habitação de interesse social no Brasil e especialmente aquelas que se referem às habitações subnormais, foram altamente centralizadas a nível federal até 1986. A política desenvolvida pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH - e pelo Banco Nacional de Habitação - BNH - por mais de vinte anos, acumulou muitos erros. A erradicação de favelas foi prática comum dos governos brasileiros desde o início desse século. Entretanto, ainda que prática constante, isso jamais resolveu o problema e nem ao menos impediu o crescimento das favelas. Cidades como Recife e Belém têm mais de 50% de sua população morando em núcleos subnormais (IBGE, 1991). Novas experiências que visavam superar todos esses erros surgiram no final da década de 80, quando os prefeitos das capitais voltaram a ser eleitos pelo voto direto. Algumas dessas experiências foram desenvolvidas nos municípios de São Paulo (1989-1992), Rio de Janeiro (1993-) e Fortaleza (1993-1996)1 , que desenvolveram políticas de urbanização de favelas, ao invés de simplesmente erradicá-las e obtiveram/estão obtendo ótimos resultados. Municípios menores como Diadema (1993-1996), Santo André (1989-1992 e 1997-) e Santos (1989-) também desenvolveram/desenvolvem com sucesso programas de urbanização de favelas. As favelas são, freqüentemente, áreas remanescentes do parcelamento do solo urbano e áreas públicas que se encontram em fundos de vale ou em encostas íngremes, em más condições para a edificação, ou seja, os piores locais disponíveis dentro do contexto urbanizado. Sua ocupação costuma se dar de maneira desordenada e suas moradias, geralmente, não obedecem a nenhum critério técnico construtivo, podendo ser tanto de alvenaria como de chapas derivadas de madeira, ou ainda de restos de lixões. Em geral, essas moradias lançam sobre a superfície do solo a água servida, favorecendo ainda mais a instabilidade geotécnica, no caso de encostas e acentuando gravemente os problemas de ordem sanitária. Ademais, costumam ser construídas em patamares formados por cortes íngremes e aterros lançados sem nenhuma proteção superficial.2 A urbanização de uma favela pode se dar de duas maneiras: mantendo as moradias, apenas consolidando as existentes e construindo novas somente em casos de remoção (caso de São Paulo - Ação em Favelas, Rio de Janeiro - Favela Bairro e Santo André - Projeto de Urbanização Diferenciada de Favelas); ou removendo os barracos e construindo novas moradias em outras áreas ou na mesma área (o último exemplo é o caso de Santos - Projeto de Urbanização do Dique da Vila Gilda). Urbanizar favelas é sem dúvida um processo caro, afinal de contas, urbanizar significa, água, luz, esgoto, asfalto, melhorias, remoções, realojamentos, consolidações, novas unidades habitacionais, regularização fundiária (processo jurídico), etc. Não se deve esquecer que urbanizar também significa trabalhar com projeto de desenho urbano. Definimos por desenho urbano os projetos de infra-estrutura, sistema viário, implantação (topografia) e equipamentos sociais. Todos os exemplos citados usaram recursos próprios mas também contaram com recursos financeiros externos, fossem eles do Governo Federal (Projeto Habitar Brasil) ou do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID. Dada a situação econômica de muitos municípios brasileiros a busca por investimentos externos para a realização de uma política de urbanização de favelas seria uma estratégia a ser adotada. A criação do Fundo de Incentivo à Construção de Habitação Popular - FINCOHAP, voltado unicamente para a obtenção de recursos para a habitação foi uma alternativa usada pela Prefeitura de Santos para a realização de seus programas habitacionais. Outra diretriz que pode ser adotada é a busca de apoio internacional como da Comunidade Econômica Européia - CEE, que tem ajudado financeiramente no desenvolvimento de programas habitacionais em cidades como Santo André - Programa Integrado, e Rio de Janeiro - Programa Favela Bairrinho. Também é possível a realização de empréstimos de bancos internacionais, como o BID. O Programa Favela Bairro iniciou suas obras com recursos próprios e depois se utilizou de recursos do BID para dar continuidade às obras de urbanização das favelas cariocas. Sabemos que no caso de uma cidade com baixa arrecadação ficaria difícil o pagamento de um empréstimo. Entretanto, se realizada a urbanização da área os moradores passariam a pagar pelos serviços (água, luz, esgoto), e quando realizada a regularização fundiária na favela, os moradores passariam a pagar impostos (IPTU), também aumentando a arrecadação do município e ajudando no pagamento da dívida. O processo de urbanização de favelas tem início com a realização de um levantamento sócio-econômico, planialtimétrico e fundiário dos núcleos, de modo que o órgão responsável pela urbanização tenha conhecimento do perfil do morador e das áreas a serem intervindas. Esse levantamento também mostrará as áreas prioritárias a serem atendidas e o tipo de intervenção a ser realizada. O levantamento da situação fundiária é de extrema importância. Quando o terreno é da Prefeitura não há problemas. Entretanto, quando o terreno é do Estado ou da União, ou mesmo particular é necessário a abertura de um processo para a desapropriação, aforamento ou compra. Muitos terrenos encontram-se abandonados, com os impostos atrasados ou em situação jurídica congelada graças a processos de inventário ou herança. Após o levantamento, os primeiros estudos de projeto são desenvolvidos para se obter as estimativas de custos, o que possibilitaria os pedidos de recursos externos. Porém, já que urbanizar favelas é um processo caro, como diminuir os custos das obras sem comprometer a qualidade do empreendimento? Vários são os exemplos que podem ser dados pela busca de empreendimentos de qualidade a baixos custos. A participação dos arquitetos na política desenvolvida pela Secretaria de Habitação durante a gestão Erundina (1989-1992) em São Paulo, através dos escritórios de projeto, das entidades de assessoria técnica aos mutirões e da própria equipe da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB, foi de grande importância. Grande parte dos projetos foram bem resolvidos, com racionalização do uso da terra, na perspectiva de reduzir custos de infra-estrutura. Muitos obtiveram êxito na relação projeto arquitetônico/custo, principalmente os executados por mutirão. Essas obras em processo de mutirão foram desde obras de melhoria como escadarias, até infra-estrutura como realização de muros de gabião em caso de contenção de encostas, além da construção de unidades habitacionais. Há também a possibilidade de criação de Cooperativas ou Frentes de Trabalho com os próprios moradores da comunidade, como foi o caso de Santos. O uso de materiais construtivos pré-fabricados feitos em cooperativas da própria Prefeitura; a adaptação do projeto urbanístico e habitacional a esses materiais; o uso de mão-de-obra da comunidade e o gerenciamento da obra pela própria Companhia de Habitação da Baixada Santista - COHAB-ST, são alguns dos fatores que permitiram os baixos custos conseguidos pelo Projeto do Dique (unidade habitacional em torno de R$7.500,00). Isso fica ainda mais claro quando se analisa os atuais custos do Projeto. Com a mudança de gestão, o novo governo passou a contratar empreiteiras para realizarem as obras na Vila Gilda. Hoje o preço médio de uma moradia no Dique fica em torno de R$15.000,00. No Rio de Janeiro, ainda que os projetos de urbanização sejam terceirizados, os resultados obtidos são indiscutíveis. A restrição do BID de custo de US$4.500,00 por família e as normas descritas pela Secretaria Municipal de Habitação exigem dos escritórios cariocas melhores soluções construtivas e urbanísticas sem comprometer, em momento algum, a qualidade dos empreendimentos. Outro fator importante nisso tudo é a participação da comunidade nas discussões, sejam elas de projeto ou de diretrizes. Em Santo André a comunidade participa de plenárias onde é votada a destinação do orçamento da Prefeitura - Orçamento Participativo. A participação da população também pode ser decisiva na hora de aprovação de projetos de lei que viabilizem o programa habitacional. Por exemplo, o caso da lei das ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social, em Santos, onde a pressão da população foi fundamental para sua aprovação. Baseados nessas experiências, hoje pode-se dizer que já existe, ou melhor, existem várias soluções a serem dadas ao problema das favelas brasileiras. O melhor de tudo é que os exemplos aqui citados derrubaram o mito de que projetos habitacionais para a população de baixa renda são necessariamente caracterizados pela baixa qualidade arquitetônica e construtiva. Ademais, não se deve esquecer que o entendimento do problema habitacional como algo mais amplo e que não se resolve simplesmente com a moradia, também foi uma conquista dessas políticas. |
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1 Experiência escolhida entre as melhores do mundo na Conferência Habitat organizada pela ONU e realizada em Istambul em junho de 1996. 2 PMSP/SEHAB. Programa de Urbanização de Favelas do Município de São Paulo - Normas, orientações e especificações técnicas para projetos de urbanização de favelas. São Paulo, 1991. |
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